Kalyne Lima: girl power made in Paraíba

Pra cego ver: Kalyne Lima em uma apresentação, usando roupa preta com enfeites de metal e segurando o microfone. DJ Guirraiz, desfocado ao fundo da imagem.

Kalyne Lima nasceu em João Pessoa e tem 37 anos. É jornalista de formação, coordenadora de produção da TV Cidade e criadora de conteúdo para mídias sociais na SECOM (Secretaria de Comunicação), é produtora cultural e atua na área da educação de jovens e adultos. Fora os trabalhos formais e constantes, Kalyne atribui outros hobbies e funções na sua rotina, como artista de graffiti, palestrante e promotora de projetos socioculturais.  

                Em 2008 foi convidada por Celso Ataíde, fundador da CUFA (Central única de Favelas) para representar o projeto na Paraíba. Ela fundou, foi coordenadora estadual e vice-presidente da CUFA Nacional até 2012. Promoveu inúmeros projetos como produtora cultural e produtora de projetos sociais. Atuava na frente cultural, artística e social. Em 2012, ingressou no jornalismo e parou com a música para se dedicar aos estudos, mas por apenas 2 anos, voltando com o projeto AfroNordestinas em 2016. Já nesse ano, também surgiu a Sinta Liga Crew, que ela irá contar um pouco mais para frente nesta conversa.

Pra Cego Ver: Capa do CD do AfroNordestinas. Os três integrantes (Camila Rocha, DJ Guirraiz e Kalyne Lima) posando de frente para a foto.

                Em 2016, com a volta do AfroNordestinas, já faziam parte do grupo Camila Rocha, uma rapper de Campina Grande estava morando em João Pessoa e Preta Langy, rapper local, que cantava em um grupo misto mas estava começando seu trabalho solo também. Kalyne percebeu que esse era o momento que mais tinham mulheres no Rap local. Para se ter uma ideia de como era escasso o movimento feminino na época, Kalyne contabilizou quatro cantoras e ainda assim foi o momento mais feminino do cenário local em 2016.

Pra cego ver: Kalyne em uma apresentação, segurando o microfone e apontando com uma mão para frente. A foto tem efeitos de brilho sobrepostos.

                Observando o comportamento dos produtores de eventos daquela época, a entrevistada relata que era muito difícil um grupo de Rap ser convidado para eventos na cidade. “Aconteceu uma história muito engraçada. Quando vem um artista do rap nacional para a cidade, é muito mais fácil os produtores chamarem um grupo de Reggae ou de Rock do que outro grupo de Rap, e muito menos um grupo de Rap feminino!”

                O evento trazia Karol Conka  como atração principal, e a organização local lançou uma enquete, convidando rappers femininas a fazerem batalhas de freestyle (rap de improviso, estilo livre). Kalyne logo percebeu que era uma busca muito segmentada. Se o número de rappers femininas na cidade já era baixo, o número de rappers femininas e ainda freestylers (praticante de freestyle) era quase inexistente. Então ela entrou em contato com a produção local e expôs seu argumento. Kalyne se colocou a disposição do evento, falando sobre o trabalho que tinha com as AfroNordestinas, mesmo não sendo rappers de estilo livre, eram rappers femininas. Logo de cara, a produção firmou a presença do grupo naquele evento.

                O que Kalyne e suas companheiras não esperavam era a mudança de gerência na organização do evento, a produção local foi alterada e para agravar, não entrou em contato com as AfroNordestinas. Criou outro evento nas redes sociais e ignorou o acerto que as artistas tinham feito anteriormente, divulgando inclusive outras bandas. Com o passar dos dias, chegou até Kalyne a notícia de que nas redes sociais, as mulheres que tinham adquirido o ingresso estavam contestando a retirada das AfroNordestinas no show da Karol Conka, o único grupo feminino que iria se apresentar. Com a força da companheira de música Camila Rocha, que na época tinha grande audiência das redes sociais, a movimentação de postagens de protesto sobre a retirada do grupo no show começou a aumentar. O barulho foi tão grande na internet que chegou ao ponto dos organizadores convidarem o grupo feminino para uma reunião, a produção voltou atrás e lá foi decidido que elas fariam parte do evento.

Pra cego ver: Integrantes e familiares da banda, no camarim de um show. Posando para a foto e sorrindo.

                Depois de tanto desgaste, gerado por irresponsabilidade dos novos produtores do show em questão, Kalyne confessa que tinha perdido até a vontade de participar, mas pensando em todo o destaque que as vozes femininas poderiam e de fato receberam, ela topou fazer parte, mas com uma condição: ia ser montado um show combo com as integrantes do AfroNordestinas com o acréscimo de mulheres atuando em outros elementos do hip-hop diferentes do rap, para engrandecer o show. Foram convidadas a grafiteira Priscila Lima, a dançarina Giordana Leite e a Dj Isa Queiroz. A única dúvida que pairava no ar era como este coletivo feminino, montado exclusivamente para o grande evento, iria se chamar.

                “Antes disso tudo acontecer, houve uma tentativa de montar um coletivo feminista de mulheres produtoras e artistas. Para dar visibilidade à cadeia produtiva encabeçada por mulheres. Infelizmente não conseguimos, por causa da dinâmica da vida. Na época, estávamos com outros projetos em prioridade e terminou não indo para frente. Então como boa parte desse coletivo era formado por nós, que estávamos neste outro movimento, decidimos que o nome criado por Camila Rocha, daria a verdadeira cara que queríamos mostrar. Decidimos então como: Sinta A Liga, O Show.”

Pra Cego Ver: Kalyne Lima, Camila Rocha, Preta Lange e DJ Guirraiz rindo espontaneamente encostados num canto de parede.

                Depois da realização do show, que foi um sucesso, as integrantes notaram o que tinham acabado de criar. Era muito mais que apenas um show, surgia um grupo feminino de expressão do Hip-Hop em seus mais variados elementos. Com o passar do tempo, a DJ Isa não pôde mais continuar com a banda. Para seu lugar foi convidado o músico e produtor Dj Guirraiz, que antes do coletivo ser criado, foi parceiro de banda com Kalyne e Camila no AfroNordestinas.

                Segundo Kalyne, Sinta Liga já nasceu grande, pois foi uma sucessão de fatos para que fosse criado esse coletivo, que abalou as estruturas em 2016 e até hoje dá muito o que falar.

Assista ao vídeo.

                “A estreia do Sinta A Liga nessa concepção de banda já foi abrindo show da Karol Conka. De lá pra cá, a banda se estruturou e se estabeleceu na cena de uma forma muito poderosa. O segundo show do Sinta a Liga, por exemplo, foi abrindo para BNegão junto com a Orquestra Feminina do Projeto Prima, misturando música clássica com Rap. Desde então, o Sinta A Liga Crew vem ocupando o palco em festivais extremamente importantes, desde o Abril Pro Rock, que na região nordeste é um dos maiores eventos de Rock, até o festival Bananada, que é considerado o maior festival do Centro-Oeste e um dos mais importantes do Brasil. Estivemos ano passado em São Paulo no maior congresso de música da América Latina e vamos voltar a fazer show lá esse ano.”  

Assista ao vídeo.

                É difícil de acreditar, mas Sinta A Liga Crew começou sem a pretensão de ser banda, mas que o trabalho e o produto são tão viáveis política e comercialmente que o coletivo transformado em banda ocupou espaços que nenhum artista do Rap paraibano tinha alcançado antes. O que é mais importante para Kalyne foi ter conquistado esse espaço sem precisar ter se moldado ao que possivelmente o mercado gostaria de consumir. Elas foram defendendo aquilo que acreditavam, as músicas tratam sobre as dores, as trajetórias e os ideiais de como o mundo deveria ser.

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